Ser-se de esquerda quando se é jovem

Aos 100 anos, Manoel de Oliveira, numa entrevista à Pública (7-12-08), explicava que "na juventude, havia uma propensão de simpatia pelo comunismo. Mas, à medida que se começou a conhecer os factos que se apresentavam na União Soviética, os intelectuais e as pessoas começaram a mudar. O que nos atraía, no comunismo, não era propriamente o comunismo era mais o humanismo - a ideia humanista que daí advém".

"Ser de esquerda" não possui uma definição estanque. Ainda hoje, milhares de jovens continuam a acreditar num ideal de esquerda humanista, apesar de todas as experiências políticas, das controvérsias e do actual sistema político neo-liberal. Verifica-se uma grande variedade de interpretações do conceito. A maioria dos jovens não hastea bandeiras políticas, mas a ideia de esquerda continua a seduzir, mesmo aqueles que estão menos informados.


A esquerda como transformação económica

Ao debater-se sobre a relação da esquerda com a Economia, Vasco Oliveira, estudante no ISEG, membro da JCP, explica: "Não nos conformamos com conversas banais do ser um bocadinho de mais ou menos regulação do mercado. Esclareçamos desde já que não defendemos uma economia planificada ao milímetr. Não rejeitamos a possibilidade de que possa haver vários sectores da economia que sejam auto-geridos ou deixados ao mercado. Mas sejamos realistas: essa história da livre concorrência e das vantagens da competição é pura fantasia teórica em partes cruciais da Economia".
PKarl Marx e Friedrich Engels, Berlimara muitos, a escolha entre esquerda e direita faz-se pela forma como idealiazam o sistema económico. "Estar numa faculdade onde nos ensinam a ser bons economistas porque saímos de lá a saber como podemos acumular capital, como aumentar o lucro reduzindo os custos, considerando a força de trabalho - os homens e e as mulheres - como meras componentes de função de produção, ajudou-me a perceber porque é necessário lutar pela transformação da sociedade.", considera Ana Isabel Oliveira, uma estudante de Economia na FE-UNL. "Na esquerda, consideram que a única forma de chegarmos à igualdade social é com uma reestruturação total do sistema, com a abolição das relações de produção hoje existentes." Os jovens de esquerda põem em causa o capitalismo pois consideram que este conduz a clivagens sociais promotoras de injustiças.
"Os ideais de esquerda, nomeadamente os ideais marxistas, são, não só bonitos, como necessários", continua Ana. A esquerda encontra, aí, uma resposta para uma nova ordem social. "Há dezenas de anos que nos apoiamos em relações de produção injustas. Tornei-me comunista , não pelos "ideais bonitos", mas sim pela proposta de sociedade que apresentam - uma sociedade mais justa, mais livre, com maior sentido de unidade."

JCP: A resposta Marxista-Leninista


Em portugal, a JCP é uma das juventudes partidárias com mais representatividade. "Ser um membro da JCP, mais do que pagar quotas e ir a reuniões, é fazer parte da construção de um ideal que toma como certo que o capitalismo não é o fim da história da humanidade e que há condições de, no presente, viver quer material quer socialmente bem melhor do que nos fazem crer ", explica Vasco Oliveira, estudande de Economia no ISEG.
"Ao aderir à JCP há um conjunto de valores e de escolas de pensamento filosófico - a que as más línguas gostam repetidamente de chamar de "dogmas" - bastante complexo, facilmente mal-interpretado e com conclusões bastante abrangentes para a sociedade que resumimos na curta expressão: marxismo-leninismo." Por se assumirem desta forma e terem membros em todo o páis, são a maior instituição portuguesa a promover os ideiais de esquerda junto das camadas mais jovens. "Sempre que me tentaram provar que o comunismo não tem futuro, devo dizer que lhes saiu o tiro pela culatra".
"O objectivo da JCP é preparar-te como militante do PCP, sempre com uma grande autonomia do partido. Os jovens estão bastante bem inseridos na vida partidária e acabam por participar naturalmente nas tomadas de decisão, nas campanhas para as eleições, nas votações internas, etc."
Fundada em 1979, a JCP ainda desempenha um papel fundamental na integração dos jovens na vida política e nas lutam em que se envolve, chamando a si pessoas de diferentes estratos sociais, mas que se unem em redor de um mesmo ideal.

Bloco de esquerda: Uma força altenativa

Bloco de Esquerda"Entendo a afirmação de uma prática política e social de esquerda como o melhor garante da liberdade e progresso humanos." Diz Tiago Ivo Cruz, um jovem militante do Bloco de Esquerda, partido recente na política nacional mas que apresenta uma forte base de apoio junto das camadas mais jovens da população.
O BE procede a uma integração dos jovens na vida do partido sem craia uma "juventude"."A estrutura clássica da jota partidária é entendida pelo bloco de esquerda como pouco inclusiva, na medida em que cria uma barreira artificial entre gerações que resulta normalmente na redução da jota a uma máquina de propaganda e recrutamento partidário".
Um "jovem do bloco" é um "activista de causas sociais e militante pela reforma social de vanguarda através das causas fracturantes, da procura de alternativa económica e política e da construção e defesa intransigente dos valores da liberdade individual em comunidade."
A opção pelo BE reveste-se de uma preocupação social e pela oposição ao sistema vigente. "É à esquerda que as respostas de alternativa social, económica e política, rejeitando o alegre status quo da globalização neo-liberal, se estão a formar e possivelmente concretizar. O projecto do Bloco de Esquerda surge como alternativa de poder".

Ser de esquerda e do partido no poder

A esquerda não é apenas uma força de oposição e os jovens que fazem parte da JS encontram-se, muitas vezes, dividos entre o apoio ao seu partido e a crítica às políticas do mesmo. Numa entrevista à estudante de Antropologia, Christina Kronback, ficámos a saber que não se pode fazer uma correspondência directa entre o PS e a sua juventude partidária.



Sendo que a JS faz parte da mesma família política do partido no poder e este nem sempre faz uma governação à esquerda, qual é a resposta da JS aos jovens que se sentem desiludidos com o PS?
Não sei qual é a resposta que se dá, como nenhum de nós defende exactamente as mesmas políticas, dão-se provavelmente respostas diferentes. Talvez uns possam concordar com os jovens desiludidos, outros talvez defendam as políticas do PS, por estarem de acordo com elas.

O que define um membro da JS?
Somos todos diferentes: há aqueles que cuja família tem tradição na política, outros têm curiosidade por ela, sem terem familares que os incentivem. Uns estudam Ciências Sociais, outros estudam Economia, Direito ou Engenharia. Mas o que provavelmente todos têm em comum - tanto na JS como noutras juventudes partidárias - é o gosto pela política.

Qual é o espaço das JS no panorama político actual?
De um modo geral, nos media, ouve-se falar mais na JS do que noutras juventudes partidárias. Acredito que a JS tenha algum impacto nas políticas actuais. O primeiro-ministro mencionou o casamento homossexual na sua moção, isso é uma grande vitória para a JS, nomeadamente para o nosso ex-secretário-geral e actual deputado do PS, Pedro Nuno Santos, que fez esta uma das principais causas da "jota", quando exerceu o seu mandato. A JS apoia a política da ministra da Educação, distribuindo flyers e informando os alunos do secundário sobre o novo estatuto do aluno. Por isso, a JS e o PS influenciam-se mutuamente.

O que é ser de esquerda, nos dias de hoje, e como podes integrar os teus ideais na vida de todos os dias?
Nos dias de hoje, ser de esquerda é fundamentalmente procurar não se fechar sobre si mesmo, sobre o seu grupo. É preciso estar atento às políticas implementadas no estrangeiro, tais como videovigilância em pleno centro da cidade, racismo contra pessoas que vêm de países onde existem grupos terroristas, ou vindas desses países vizinhos. Deve-se procurar questionar o que se lê, tentar abrir a mente. Por exemplo, a JS defende o casamento homossexual, e eu sou a favor. O que faço para defender esse meu ideal, é falar sobre o assunto com as pessoas que me rodeiam, ouvi-las e argumentar bem o meu ponto de vista.

Um olhar brasileiro sobre a "Esquerda"





A noção do que é a esquerda depende do contexto nacional em que se vive. Esta jovem definia-a por oposição ao estabelicido. António Netto, um estudante universitário, originário do Brasil, considera a situação política no Brasil muito semelhante à portuguesa, «As ideologias são sempre as mesmas e acho que isso leva a uma descrença política. Acho que no Brasil essa descrença chegou a tal ponto que o povo está a se tornar "apolítico"».

O aumento do número de partidos, o que, segundo António, provoca "uma salada de ideologias acaba se tornando uma confusão na cabeça do jovem e da população em geral". A corrupção e mentira na política, são outros factores que desmotivam os jovens e levam a população a ir «deixando e aceitando as coisas como não deveriam ser».

Apesar disso, explica que: "No meu país de origem tinha uma participação política forte. Assim, ao chegar em Portugal, me senti deslocado na questão política, pois não tinha esse know-how histórico e mal sabia quem era o presidente do país." E se, em muitos casos, o campo político da esquerda é o que mais conquista a simpatia dos imigrantes, com ele essa tendência não se verificou, "eu não adoptei uma postural liberal, pelo contrário, busquei informações e estudei muito sobre a política portuguesa, mas eu deixo bem claro que tenho uma visao política bem voltada para a direita."

Jovens sem ideologia definida

Para além daqueles que fazem parte de juventudes partidárias, a maioria dos jovens não se encontra vinculado a nenhum partido. Sente-se uma certa desorientação política que, em casos mais graves, conduz a situações como a vivida na Grécia, no final de 2008, é fruto de uma sociedade que deixou de ter resposta para as questões mais elementares da vida dos jovens. Os jovens que estavam na primeira fila das manifestações foram conutados com o anarquismo e com a extrema esquerda, mas o que se verifica é a ausência de liderança política e ideológica, que leva esses jovens a encontrar na violência a única solução.
Se no Maio de 68 existia uma sobreabundância de símbolos, os dias de hoje pautam-se pela sua ausência. Se os pais se reviram numa revolução cheia de ídolos, os filhos têm pouco para seguir, o que conduz a uma certa apatia política que os leva a afastar-se dos extremos.